sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Euforia no plenário revela crise simbólica da representação política no Brasil

 


Euforia no plenário revela crise simbólica da representação política no Brasil

Por Pedro Claudio

A cena registrada no plenário da Câmara dos Deputados nesta semana — um grupo de parlamentares comemorando efusivamente o livramento da cassação da deputada Carla Zambelli, atualmente presa na Itália após fugir do Brasil — é, no mínimo, um retrato curioso da política brasileira contemporânea. Interessante, intrigante e, para alguns, até hilário. Mas também revelador.

O episódio em si envolvendo a deputada não é novidade. Problemas de saúde já foram admitidos por ela e por aliados, e seu histórico recente inclui atitudes publicamente reprováveis, como perseguir um jornalista armada pelas ruas — gesto que permanece sem explicação convincente. A pergunta “o que será que ela queria?” ainda ecoa.

No entanto, o foco aqui não é a parlamentar, mas o comportamento de seus colegas. Deputados pulando, vibrando, celebrando como torcedores diante de um gol decisivo. A pergunta que se impõe é: o que exatamente foi comemorado? Uma vitória contra a Justiça? Uma vitória da oposição sobre o governo? Ou a vitória de um grupo político sobre o bom senso?

Para quem insiste em pensar com independência, a cena oferece uma oportunidade de reflexão sociológica sobre o estado da política nacional. Não é exagero dizer que o comportamento exibido é quase um símbolo da desconexão entre representantes e representados. Parece faltar um parafuso — não individualmente, mas na cabeça coletiva de parte do Parlamento.

Nos últimos anos, o país assiste à defesa pública de práticas que antes eram vistas como inaceitáveis. Parlamentares que, em nome de uma liberdade mal interpretada, justificam e incentivam a propagação de fake news como se mentir fosse um direito constitucional. Outros atacam figuras que se dedicam a quem mais precisa, como o trabalho humanitário do padre Júlio Lancellotti. Há ainda aqueles que chegam ao ponto de defender medidas que prejudicariam o próprio Brasil, como no caso da disputa comercial envolvendo os Estados Unidos e a taxação de produtos estrangeiros.

Essas iniciativas, quase sempre de vida curta, ainda assim produzem efeitos profundos. Plantam na sociedade a ideia de que o errado pode ser certo; que a desinformação é opinião; que o absurdo merece espaço. Alimentam, pouco a pouco, uma espécie de ruptura coletiva, cultural e moral.

Opinar é um direito. Liberdade é essencial. Mas liberdade sem responsabilidade é só caos disfarçado de bravura.

A comemoração sem sentido que tomou conta do plenário é, no fundo, um espelho incômodo. Mostra o vazio que algumas lideranças insistem em festejar — e revela, com nitidez, o desafio de reconstruir no Brasil um ambiente político guiado por seriedade, racionalidade e compromisso com o interesse público.

Porque, no final das contas, estavam comemorando o quê? O país ainda não sabe. Mas a cena fala por si.

 

sábado, 6 de dezembro de 2025

Como exercemos e sofremos a influência do poder na política brasileira

 

Análise jornalística – Polarização brasileira sob a lente da ciência política

O anúncio da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro reacendeu, nas redes sociais, um fenômeno que já se tornou marca da política brasileira contemporânea: a polarização estruturada em torno de dois polos carismáticos — o lulismo e o bolsonarismo. Os comentários coletados nas plataformas digitais, repletos de frustrações, ironias, receios e acusações, revelam não apenas uma disputa eleitoral, mas um processo mais profundo de construção simbólica do “nós contra eles”, conceito amplamente discutido por pensadores da ciência política e da filosofia política.

Polarização como método e como narrativa

A polarização não é apenas um efeito colateral das redes sociais; ela se consolidou como método político.  Pelo que tenho observado no Brasil, o campo político se organiza a partir da distinção entre amigo e inimigo. Na atualidade essa fronteira se expressa na dicotomia Lula/Bolsonaro que, como apontam os comentários analisados, deixou pouca margem para construção de alternativas.

A reação de parte da direita à escolha de Flávio Bolsonaro, vista como decisão personalista e dinástica — “coronelismo disfarçado”, como escreveu um internauta — evidencia uma crítica que transcende o episódio: a percepção de que ambos os polos dependem um do outro para manter viva a lógica de confronto, alimentando identidades políticas rígidas e bloqueando a emergência de projetos moderados e inovadores.

O voto aprisionado e o personalismo

Historicamente, o Brasil convive com estruturas políticas personalistas. Da “política dos governadores” ao coronelismo, das oligarquias regionais à formação dos grandes líderes carismáticos, a política brasileira tende a gravitar em torno de figuras, não de programas. A citação recorrente ao sobrenome Bolsonaro — e também ao de outros atores como Sarney ou Caiado — reforça essa crítica: a ideia de que famílias permanecem no topo do poder porque exploram capital político acumulado, não porque representam renovação.

Dentro desse quadro, a expectativa frustrada em torno do nome de Tarcísio de Freitas, visto por muitos como gestor técnico e possível ponte entre mercado, centro-direita e eleitores desencantados, simboliza o desejo por um “pós-polarização” que ainda não encontrou expressão competitiva.

Racionalidade enfraquecida e comportamento eleitoral

Do ponto de vista da ciência política comportamental, os comentários ilustram um fenômeno bem documentado: a decisão política baseada mais em afetos do que em racionalidade programática. A literatura de psicologia política — de autores como Jonathan Haidt e Drew Westen — demonstra que emoções como medo, indignação e ressentimento moldam preferências políticas com mais força do que propostas concretas.

Os relatos mostram exatamente isso: medo do retorno de Lula, decepção com o bolsonarismo, descrença na classe política e esperança quase messiânica em “um nome salvador”. O eleitorado, ao oscilar entre rejeição e fidelidade afetiva, acaba contribuindo para a manutenção das forças que critica — fenômeno conhecido como “voto negativo” ou voto contra o inimigo, mais do que a favor de um projeto.

O ciclo histórico da repetição



Filósofos como Nietzsche e historiadores como Hobsbawm observam que sociedades em crise tendem a repetir padrões políticos, mesmo sabendo de seus resultados. No Brasil, a recorrência de velhas lideranças e velhos conflitos sugere uma dificuldade coletiva de romper ciclos. A insistência em Lula e Bolsonaro, conforme apontam os internautas, não deriva apenas da força dessas lideranças, mas da ausência de investimento social e político em alternativas estruturadas.

Esse ciclo é reforçado pelas redes sociais, que amplificam indignações, confirmam vieses e reduzem a reflexão crítica. O espaço digital, que poderia diversificar o debate, termina por segmentá-lo e radicalizá-lo.

A necessidade de romper o padrão

Ao final, a crítica que emerge dos comentários — ainda que caótica, emocional e contraditória — converge para um ponto: a urgência de pensar e agir politicamente de forma diferente. A sociedade parece reconhecer, ainda que intuitivamente, que está presa em um jogo ideológico simplificado que confunde defesa de valores com manipulação emocional, e que substitui debate público por lealdades pessoais.

Se a democracia depende de pluralidade, alternância de poder, racionalidade pública e instituições fortes, a manutenção dessa polarização permanente enfraquece cada uma dessas bases. O desafio, portanto, não é apenas escolher novos nomes, mas reconstruir práticas políticas e cognitivas menos reativas e mais deliberativas.

Em um momento em que “tempos sombrios” e “penumbra política” são metáforas recorrentes nos comentários, a saída passa pela ampliação da consciência política, pela formação crítica do eleitor e pela capacidade de superar o personalismo que historicamente bloqueia a inovação no Brasil.

Pensar diferente e agir diferente, talvez seja o primeiro passo para romper um ciclo que já dura mais de uma década — e que tende a se aprofundar enquanto continuarmos olhando a política apenas pelo espelho das paixões e das rivalidades.

 

 




terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Igreja Católica reúne múltiplos carismas em missão comum de educar e formar para a cidadania cristã

Igreja Católica reúne múltiplos carismas em missão comum de educar e formar para a cidadania cristã

A Igreja Católica é una, mas se expressa por meio de diversos carismas que dão vida à sua missão evangelizadora. Cada congregação dedica-se a um serviço específico, contribuindo de modo singular com a sociedade. Um exemplo é a Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentoristas, fundada por Santo Afonso Maria de Ligório, cujo carisma está voltado à comunicação e à evangelização popular. Já os Religiosos Passionistas, criados por São Paulo da Cruz, dedicam-se à espiritualidade da Paixão de Cristo e ao anúncio da misericórdia divina.

Outras congregações também marcam presença em áreas fundamentais. Os Irmãos Maristas, fundados por São Marcelino Champagnat, têm como carisma a educação, atuando em escolas e projetos socioeducativos em vários países. As Irmãs Paulinas, presentes no Brasil há décadas, assumem o compromisso com a comunicação e a formação, articulando mídia, cultura e evangelização. Há ainda as Irmãs Salesianas, com forte presença na educação juvenil; os Franciscanos, centrados na simplicidade e no cuidado com a criação; e os Jesuítas, com tradição educativa e intelectual reconhecida mundialmente.

Essa diversidade de carismas, porém, converge para um mesmo propósito: formar consciência crítica, cidadania cristã e promover o bem comum. Em sua Carta Apostólica de 28 de outubro, o Papa Leão XIV destaca que educar é promover dignidade, justiça e confiança em um mundo marcado por conflitos. Na mensagem, o pontífice ressalta desafios contemporâneos para a educação, reconhece a coragem de tantas mulheres educadoras e afirma que a proposta educativa católica integra justiça social e ambiental.

O documento reforça também a necessidade de uma formação integral da pessoa humana, o papel insubstituível da família e da comunidade educativa e o incentivo ao trabalho em rede, valorizando a cooperação entre instituições.

A educadora e religiosa paulina, irmã Helena Corazza — presença ativa nas redes sociais e referência no Paulinas Cursos — lembra que educar é “tirar de dentro”, é ajudar alguém a caminhar. Ela afirma que a formação humana deve ser integral, evitando visões fragmentadas da realidade.

Assim, a Igreja, com seus múltiplos carismas, forma comunidades que se complementam, colaborando para construir uma sociedade mais consciente, fraterna e comprometida com os valores do Evangelho. 



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Memória Afetiva – um valor inestimável

 

Memória Afetiva – um valor inestimável


Por Pedro Claudio Rosa




Em nossa casa, em Iporá – Goiás, guardamos objetos que não são apenas utensílios, mas testemunhos vivos de uma história que atravessa o tempo. Aqui, tradições não moram no passado: respiram, cozinham, alimentam e permanecem. Eva Maria da Silveira, apaixonada pelas raízes da família e pela cozinha como espaço de afeto, mantém viva essa herança. Seu fazer culinário é mais que preparo — é ritual, memória ancestral em chama baixa, onde cada receita tem origem em alguém que amou antes de nós.

Entre tantas peças que atravessaram décadas, uma ganha voz própria:
a antiga panela de ferro de três pés, companheira fiel de fogões à lenha e manhãs cheirando a café quente. O fundo da peça revela um selo circular já quase apagado pelo tempo, talvez marcado 5 ou 50, com inscrições em arco desgastadas pela vida de uso constante. O ferro fundido bruto, ainda com sinais de oxidação, confirma sua idade e seu valor: não apenas um utensílio, mas um artefato de história.


Seu formato, redondo e apoiado em três pés, denuncia origem tradicional — modelo típico do interior de Minas Gerais, muito utilizado até meados dos anos 1940–1960. Naquele tempo, famílias encomendavam panelas diretamente de ferreiros e pequenas fundições regionais. Muitas traziam apenas um número indicando tamanho, sem marcas de grandes fabricantes. O detalhe no centro reforça essa possibilidade: peça de fundição artesanal mineira, nascida do fogo e da habilidade de mãos antigas.

Mas seu maior tesouro não está no metal. Está na linhagem que carrega.

A panela pertenceu à matriarca Luzia Joaquina Rosa, nascida em 1938, em Serrania – MG, filha de Florençia Maria de Jesus e José Urbano da Silva. Ela mesma relatava que sua mãe era descendente de escravizados, e seu pai, indígena — tomado do mato, como dizia, “pego no laço”. Dessa mistura de luta, resistência e raiz nasceu a família e, com ela, a tradição do alimento que cura e reúne.

Luzia herdou a panela de seus antepassados, e tudo indica que a peça é muito mais antiga que ela — possivelmente anterior a 1950, talvez com mais de um século de existência. Foi passando de mãos em mãos, de fogão em fogão, alimentando corpos, memórias e saudades.

Hoje, ainda em uso diário, ela pertence a Pedro Claudio Rosa e Eva Maria da Silveira. Não descansa em exposição: segue fervendo, cozinhando, perfumando a casa com o gosto da infância e com carinho de quem veio antes.

Porque memória é isso: não um objeto parado no tempo, mas um pedaço do passado que continua vivo — quente, útil, afetivo.

Uma panela que cozinha histórias.
E cada refeição é um reencontro.

Doces lembranças.

Ah, cometi ainda o sacrilégio de lavá-la por dias, retirando cuidadosamente o carvão que o tempo havia ali firmado. Quis descobrir sua origem, revelar o que havia por trás daquela superfície escurecida, mas logo percebi: não foi a melhor escolha. Cada camada de carvão impregnada no fundo guardava não apenas marcas, mas eras inteiras de história. Era memória sedimentada, testemunho silencioso de tantas mãos, tantas receitas, tantos momentos. Removi, sem querer, um pouco do passado que ela carregava.

 Por Pedro Claudio Iporá, 27 de novembro de 2025

VAIDADE: O GRANDE PROBLEMA DO SER HUMANO

 



VAIDADE: O GRANDE PROBLEMA DO SER HUMANO

Imagem ilustrativa

Por Pedro Claudio — 27 de novembro de 2025

A vaidade sempre rondou o coração humano. Infiltra-se silenciosa, disfarçada de zelo, vocação e desejo de servir; mas, quando olhamos com profundidade, percebemos que muitas vezes não buscamos servir — buscamos aparecer. A missão religiosa, que deveria ser oferta, torna-se palco. A Palavra, que deveria ser pão partilhado, transforma-se em instrumento de projeção pessoal. Se não estamos no púlpito, se não conduzimos a reflexão, se não somos ouvidos, tudo parece perder o sentido. E é nesse ponto que, sem perceber, deixamos de anunciar Cristo e passamos a anunciar a nós mesmos.

O coração vaidoso quer ser protagonista. Não suporta o anonimato, tem dificuldade em ser discípulo — prefere o trono ao banco da assembleia. Porém, o Evangelho recorda que o Reino de Deus não é lugar de disputa, mas de serviço. Jesus nos adverte:

"Quem quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que vos serve."
(Mc 10,43 — Bíblia CNBB)

A vaidade gera competição. Julgamos quem fala, disputamos o microfone, interrompemos para mostrar que sabemos mais, buscamos títulos — padre, diácono, ministro da Palavra, pastor — como quem busca coroa. Queremos ser senhores, não servos; mandar, não ouvir.
No entanto, o Evangelho apresenta outro caminho. O Senhor não chamou vencedores de disputas, mas homens e mulheres capazes de amar e servir.

O Eclesiastes nos alerta com sabedoria antiga e sempre atual:

"Vaidade das vaidades — diz o Eclesiastes — tudo é vaidade."
(Ecl 1,2 — Bíblia CNBB)

E São Paulo nos exorta a abandonar a lógica do orgulho:

"Nada façais por ambição ou vaidade, mas, com humildade, cada qual considere os outros superiores a si próprio."
(Fl 2,3 — Bíblia CNBB)

A humildade não é humilhação — é verdade. É reconhecer que não somos o centro — Deus é. É perceber que o que arrasta multidões não é o discurso inflamado, mas a vida coerente. O testemunho silencioso converte mais do que as palavras decoradas. Aprender a ouvir é tão divino quanto saber falar. E quem aprende ouvindo, ensina melhor quando fala.

À porta do Advento, tempo de espera e recolhimento, somos convidados a revisitar o coração. O Natal se aproxima — e Ele virá. Não em palácios, mas em uma manjedoura. O Deus que podia nascer em trono escolheu a palha. Ele nos convida a descer, não a subir.

"Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso para vossas vidas."
(Mt 11,29 — Bíblia CNBB)

Que este final de ano seja tempo de revisão interior. Voltemos o olhar ao início de 2025 e nos perguntemos com sinceridade:

— Servi mais ou apareci mais?
— Fui instrumento de paz ou de disputa?
— Busquei ser luz ou apenas ser visto?

Que o Advento nos reencontre pequenos, simples e disponíveis. Que deixemos de querer ser Deus para permitir que Deus seja Deus em nós. A humildade não é perder espaço — é ganhar sentido.

Que a graça nos encontre.
Que o orgulho se renda.
Que possamos aprender — e ensinar aprendendo.

Amém.

Por Pedro Claudio — 27 de novembro de 2025

 

 

domingo, 23 de novembro de 2025

MOMENTO HISTÓRICO ESTRANHO: A Banalização das Decisões Judiciais e a Politização das Instituições

 

Análise Política: A Banalização das Decisões Judiciais e a Politização das Instituições

 

Nos últimos anos, especialmente com o fortalecimento do grupo político alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, observamos um fenômeno preocupante: o questionamento público e constante do poder Judiciário. Antes, prevalecia uma máxima quase sagrada no Estado de Direito: decisão judicial não se discute, cumpre-se — e eventuais discordâncias eram tratadas nos autos, dentro do próprio sistema de justiça.

Hoje, entretanto, essa relação institucional parece profundamente abalada. Não é simples identificar exatamente onde começou o erro ou quem é o principal responsável. O que é evidente, porém, é que o atual ambiente é nocivo para a democracia.

Criticar decisões judiciais não é, por si só, um problema — faz parte de uma sociedade plural. O perigo está na forma como essa crítica tem sido feita:

ataques pessoais a juízes e ministros,

desqualificação de suas funções,

desacato travestido de opinião,

e a tentativa sistemática de colocar a população contra as instituições.

Esse tipo de ataque público, impulsionado por redes sociais e por discursos inflamados, alimenta a ideia de que o cumprimento da lei pode ser relativizado conforme a conveniência política de cada grupo. 

Ao mesmo tempo, há outro desequilíbrio em curso: a politização crescente do próprio Judiciário, especialmente na instância máxima, o STF. Ministros concedem entrevistas, fazem juízos de valor abertos sobre casos em andamento e se tornam figuras públicas disputadas por apoiadores e detratores. Esse protagonismo excessivo cria a percepção de que juízes se comportam como atores políticos — algo que fragiliza a confiança no sistema.

O resultado é um cenário em que tudo parece deslocado. Como tentar mudar o placar depois que o jogo terminou: essa inversão de lógica conduz à insegurança jurídica e à instabilidade social.

Importante destacar: não se trata de defender esquerda ou direita, Lula ou Bolsonaro, mas de constatar que estamos banalizando o papel das decisões judiciais. O juiz, que deveria representar a última palavra em um conflito — dentro da legalidade — passa a ser tratado pior do que um árbitro de futebol de base, cuja autoridade é constantemente posta em dúvida.

Defender a democracia passa, necessariamente, pelo fortalecimento das instituições.

O Judiciário precisa ser respeitado e exercer sua função sem estrelismo.

O Ministério Público deve atuar com autonomia firme e responsável.

As polícias — Federal, Civil e Militar — precisam ser fortes, técnicas e com mecanismos rigorosos de controle e correção de condutas.

E resta a grande pergunta: onde vamos parar se governadores, senadores, deputados e prefeitos passam a querer o papel de juiz? Se cada autoridade tentar reescrever a lei de acordo com seus interesses, o sistema perde coerência — e com ele, a democracia perde seu chão.

O momento exige menos ataques e protagonismos e mais prudência, moderação e respeito institucional. Sem isso, continuaremos alimentando uma crise que não interessa à sociedade e não fortalece a Justiça — apenas o caos.

Cristo Rei: O Julgar de Deus e o Julgar dos Homens

 

Cristo Rei: O Julgar de Deus e o Julgar dos Homens


Por Pedro Claudio Rosa — Festa de Cristo Rei, 2025

É sempre instigante comparar a mente humana, com suas percepções limitadas e juízos de valor influenciados pela cultura, pela moral e pelos costumes, com aquilo que Deus nos revela nas Sagradas Escrituras. Muitas vezes, ao confrontarmos nossos critérios com a Palavra divina, percebemos o quanto somos pequenos diante do mistério de Deus.

Neste domingo, dia 23, a Igreja Católica encerra o Ano Litúrgico com a Solenidade de Cristo Rei do Universo — uma espécie de “31 de dezembro espiritual”. É o momento em que olhamos para Cristo como o Senhor do tempo, da história e do destino humano.

O Evangelho proposto hoje, Lucas 23,35-43, nos apresenta um paradoxo desconcertante:
Como pode o Rei do Universo passar por humilhações?
A cena da cruz, onde Cristo é insultado, ferido e ridicularizado, confronta nossa ideia humana de poder. Queremos um rei forte, dominador, capaz de impor sua força. Mas Cristo reina servindo, salva perdoando, governa amando.

A liturgia de Cristo Rei  nos faz recordar o Domingo de Ramos, quando se canta:
“Esperavam um grande Rei que fosse forte, dominador...”
E, no entanto, Ele entra humilde, montado num jumentinho, contrariando expectativas e desafiando a lógica humana.

Outra passagem que nos provoca reflexão é Mateus 20,1-16, a parábola do Reino dos Céus. Ali, Jesus derruba nossos critérios de mérito e recompensa: os últimos recebem como os primeiros, e o dono da vinha pergunta:
“Estás com inveja porque eu sou bom?”
O Reino de Deus, portanto, não se molda ao nosso senso de justiça limitada, mas à justiça misericordiosa de Deus.

É por isso que, embora seres humanos, Igreja e cristãos julguem uns aos outros, ninguém possui a certeza do julgamento de Deus. Ele vê o que nós não vemos, conhece o que não conhecemos.

Sim, existem trechos da Escritura que iluminam a autoridade dada à Igreja, como Mateus 16,19 e Mateus 18,18, onde Jesus fala do poder de ligar e desligar. Contudo, mesmo com essa autoridade, permanece o risco de o homem apropriar-se do que é divino, julgando, condenando e, às vezes, executando sem misericórdia.

No entanto, o julgador também será julgado.
A pena que hoje se cumpre na terra pode ter reflexos em outras dimensões da existência — como acreditam cristãos e muitos que, mesmo não sendo cristãos, reconhecem a existência de uma divindade.

Em resumo:
O julgamento feito “em nome de Deus” por instituições religiosas ou por seus membros pode ser equivocado. Mesmo estudando, relendo e aprofundando-se nas Escrituras, a visão humana jamais alcança a totalidade do olhar divino.

Diante disso, penso que cada pessoa deve viver segundo sua consciência, mas com um compromisso claro:
– não prejudicar o outro;
– não destruir reputações;
– não tirar alguém de seu caminho;
– não tentar ser dono do destino alheio.

Não somos senhores do destino de ninguém.

Que tenhamos sabedoria para viver a liberdade como Deus deseja:
liberdade para escolher o bem, para proteger a vida, para seguir o propósito divino.

Ao encerrarmos mais um ano espiritual nesta semana, é tempo de olhar para trás, reconhecer erros e assumir o compromisso de não repeti-los. Que 2026 seja um tempo novo — e não apenas “remendo novo em pano velho”, como alerta o Evangelho.

Que venha até nós uma nova era:
uma era de paz, de consciência, de reconciliação e de fidelidade ao que Deus sonha para nós.

Feliz Ano Novo Litúrgico. Feliz 2026.

Por Pedro Claudio Rosa — 23 de novembro de 2025

 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Mankeeping, fragilidade humana e o desafio de saber viver

 


Mankeeping
, fragilidade humana e o desafio de saber viver

Por Pedro Claudio

O termo mankeeping tem sido utilizado em estudos contemporâneos para descrever um movimento de ressignificação masculina, especialmente entre homens formados em famílias tradicionais do século XX. Ao contrário do antigo paradigma que associava fragilidade ao universo feminino, as pesquisas atuais demonstram que a fragilidade é uma condição humana, não de gênero. Homens e mulheres carregam carências, afetos interrompidos, inseguranças e necessidades emocionais que se revelam de forma diferente, dependendo de como cada um foi constituído emocionalmente.

Em uma revisão publicada no Journal of Men’s Studies (2021), pesquisadores destacam que muitos homens de gerações anteriores foram educados para “performar fortaleza”, suprimindo emoções e vulnerabilidades, enquanto hoje se observa um esforço crescente para reaprender a lidar com afetos, estabelecer vínculos saudáveis e buscar apoio emocional. É justamente isso que o conceito de mankeeping evidencia: o trabalho interno que o homem moderno precisa realizar para cuidar de si e dos seus vínculos, diferindo do antigo modelo que o colocava quase exclusivamente no lugar de provedor, e não de participante emocional da vida.

Outros estudos, como os de Brené Brown sobre vulnerabilidade (2014) e os de Niobe Way sobre amizades masculinas (2011), mostram que homens que aprendem a compartilhar emoções, pedir ajuda e construir redes de apoio apresentam maior saúde mental, menor risco de depressão e melhor qualidade de vida. A conclusão é clara: ninguém foi feito para viver isolado.

Assim, torna-se evidente que estar sozinho, seja homem ou mulher, não é natural para a maioria das pessoas. Somos seres relacionais. A felicidade pode até ser individual, mas é profundamente facilitada quando compartilhada. Ter alguém para trocar ideias, caminhar junto, dividir o cotidiano – seja um parceiro, uma parceira, amigos, grupo religioso, comunidade ou família – é um dos pilares da saúde emocional.

Mas existe uma questão inevitável:
e quando os gênios não se comprazem? E quando a convivência, em vez de nutrir, desgasta?
Esse é o grande desafio das relações humanas. Em momentos assim, não há respostas prontas. Há trabalho, diálogo, maturidade e a decisão conjunta de reconstruir laços.

Roberto Carlos cantou: “É preciso saber viver”, em música escrita por Roberto e Erasmo Carlos. E talvez esse seja o maior aprendizado do nosso tempo. Saber viver, hoje, significa também saber se relacionar em meio a um mundo que nos aproxima e nos distancia ao mesmo tempo. As redes sociais conectam, mas não substituem a presença; aproximam, mas frequentemente nos isolam. Nas famílias, o tempo para encontros e visitas raramente existe, salvo entre pais e filhos que se cruzam por obrigação ou necessidade.

Por isso, é urgente estudar, analisar e compreender a própria vida emocional, para não cair no “buraco negro” da solidão contemporânea – esse lugar onde ninguém nos encontra, onde o silêncio se torna um castigo e o afeto, uma saudade eterna. Sem o abraço de um parceiro, sem a presença de uma parceira, sem o amparo de uma comunidade, sem alguém para nos encontrar, corremos o risco de fracassar emocionalmente, mesmo que todas as outras áreas pareçam estar em ordem.

Que sejamos, então, um pelo outro. Que quem constituiu família lute por ela. Que diante das adversidades, prevaleçam o diálogo, a escuta e a coragem de se manter juntos. Desistir do outro não costuma ser o melhor caminho.

Sigamos na fé, na coragem e na disposição de viver aquilo que sempre foi o mais precioso: a essência humana de se relacionar, de amar e de ser amado.

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Cuidado para não ser manipulado com promessas



O versículo de Lucas 11,9“Peçam e lhes será dado; busquem e encontrarão; batam e a porta lhes será aberta” — costuma ser proclamado como garantia de que a persistência na fé sempre produzirá resultados imediatos. Entretanto, em muitos contextos religiosos, o texto é frequentemente reduzido a um slogan motivacional para atrair fiéis e estimular práticas de devoção vinculadas a templos, campanhas e líderes carismáticos.

O problema não está na promessa bíblica, mas na forma como ela é interpretada e utilizada. A persistência recomendada por Jesus não é uma técnica espiritual para “convencer” Deus, nem um mecanismo automático de recompensa. É um chamado à confiança profunda, madura, que nasce de uma relação sincera com o Pai — não de pressões externas, manipulações emocionais ou discursos que exploram fragilidades humanas.

Infelizmente, muitos que atravessam momentos de dor, crise ou solidão tornam-se alvo fácil de estruturas religiosas interessadas mais em sua adesão do que em sua libertação. A promessa de portas abertas acaba sendo instrumentalizada para gerar dependência institucional: “Se você não vier, não receberá; se não participar, não será atendido; se não contribuir, sua bênção não chega.” Esse desvio esvazia o sentido do Evangelho e confunde o fiel, que passa a associar Deus à igreja, ou pior, a Deus ao líder religioso que controla o acesso ao sagrado.

É preciso, portanto, um discernimento espiritual lúcido: Deus não é propriedade de denominação alguma. Nem todo apelo religioso é sinal de cuidado; nem toda promessa de milagre é expressão do Reino. A verdadeira persistência da fé não é insistir em ambientes que ferem, exploram ou manipulam, mas insistir na busca por um Deus que liberta, cura e respeita a dignidade humana.

Persistir, sim — mas persistir em Deus, não em armadilhas espirituais.
Bater à porta, sim — mas a porta que conduz à verdade e não à dependência.
Buscar, sim — mas buscar aquilo que o Evangelho realmente oferece: vida plena, consciência crítica e liberdade.

Porque a resistência que a persistência quebra não é a resistência de Deus, mas a nossa: resistência em amadurecer, em discernir, em libertar a fé daquilo que tenta aprisioná-la.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Por que Participar de Encontros Religiosos?

 

Reflexão Teológico-Filosófica: Por que Participar de Encontros Religiosos?

Por Pedro Claudio


Quais são, afinal, as verdadeiras motivações que me levam a participar de eventos religiosos, encontros espirituais de fim de semana ou mesmo de breves momentos de oração e convivência comunitária? O que realmente busco quando aceito um convite ou decido, por conta própria, estar presente? Entretenimento? Um simples refúgio? A busca de uma conquista pessoal, um aprendizado, ou um reencontro com a fé que, por vezes, se distancia no corre-corre da vida?

Essas perguntas, mais do que retóricas, são espelhos. Refletem o que se passa em nosso interior e revelam o modo como vivemos nossa espiritualidade. Participar de um evento religioso pode, sim, ser um momento de profunda renovação interior, uma pausa necessária para rever atitudes, reorganizar pensamentos, reencontrar o sentido do servir e do amar. Pode ajudar a resolver conflitos pessoais, fortalecer a fé e inspirar um novo olhar sobre a família, o trabalho e as relações humanas.

Entretanto, há de se reconhecer: nem todos os que participam o fazem com a mesma disposição de alma. Alguns se sentem obrigados, vão para “marcar presença”, para serem vistos e reconhecidos; outros, para ver pessoas, socializar, sentir-se incluídos. Há também os que buscam um momento sincero de encontro com Deus — e esses, quando o fazem com coração aberto, costumam sair diferentes, transformados.

Vivemos tempos em que a fé muitas vezes se mistura ao espetáculo. Nas redes sociais e nos convites divulgados com entusiasmo, os comunicadores prometem experiências profundas: “Você vai sentir a presença de Deus!” — dizem, com a voz firme e a certeza quase publicitária. Pregadores, evangelizadores e celebrantes são apresentados como representantes diretos de Cristo, como se a graça dependesse da performance humana e não da abertura interior de quem crê.

Não há problema em se alegrar, em se emocionar, em celebrar a fé com intensidade. Mas é preciso discernimento. A participação em eventos religiosos deve ser um ato livre, consciente, que nasce do desejo genuíno de se aproximar do sagrado — e não do medo de ser julgado, da vontade de agradar líderes, ou de satisfazer o ego de quem busca aplausos e visibilidade.

A fé verdadeira não se mede por quantidade de encontros frequentados, mas pela qualidade da transformação interior que esses encontros provocam. Participar, portanto, não é “fazer número”, é fazer sentido. É permitir que a experiência toque o coração, desperte a consciência e gere frutos no cotidiano: na paciência, no perdão, no respeito, na compaixão.

Vamos pensar? Nossa capacidade cognitiva é limitada, falha, sujeita a enganos e ilusões — e por isso mesmo precisamos cultivar o discernimento espiritual. Nem todo entusiasmo é fé; nem toda emoção é encontro com Deus. Participe se for importante para você, se sentir que há algo ali que alimenta sua alma e lhe conduz à verdade.

Não sejamos ingênuos: a fé é caminho, não espetáculo. E participar dela, com sinceridade e propósito, é deixar-se transformar por dentro — não para ser visto pelos outros, mas para ver melhor a vida, o próximo e o próprio Deus.

 


domingo, 2 de novembro de 2025

Finados: dia de pensar a morte e planejar a vida

 

Dia de Finados (2 de novembro 2025)

Por Pedro Claudio




Hoje, 2 de novembro, Dia de Finados, a Igreja e a sociedade fazem uma pausa para lembrar com carinho e fé aqueles que já partiram. É um dia de saudade, mas também de esperança.

Pensar na morte pode parecer algo triste, mas, na verdade, é uma forma de valorizar a vida. Quando lembramos que o tempo é curto, aprendemos a viver melhor — a amar mais, perdoar, cuidar de quem está ao nosso lado e buscar o que realmente tem sentido.

A tradição cristã ensina que a morte não é o fim, mas passagem para a vida plena junto de Deus. Por isso, visitar o cemitério, acender uma vela ou fazer uma oração é também renovar a fé na ressurreição e na comunhão eterna.

Neste Dia de Finados, a mensagem é clara: viver bem é o melhor jeito de estar preparado para partir em paz.
Pense nisso: Finados é o dia de pensar a morte... e planejar a vida.

Neste Dia de Finados, a Igreja Católica celebra com fé e esperança a memória dos fiéis defuntos. É um momento de recolhimento, de oração e de lembrança daqueles que já partiram desta vida. Fazemos memória dos que foram antes de nós, com a confiança de que suas almas estão abrigadas junto de Deus. O corpo é matéria, volta ao pó, mas a alma — essência espiritual — permanece viva e é acolhida no mistério divino.

A Igreja, ao longo dos séculos, refletiu profundamente sobre essa realidade: o ser humano é constituído de corpo e alma. Com a morte, há uma separação — o corpo se desfaz, mas a alma passa a viver em outra dimensão, na presença de Deus. É uma questão de fé, mas também de esperança. Essa crença foi sustentada e amadurecida com o tempo, tornando-se central não apenas na teologia católica, mas também em muitos outros seguimentos religiosos cristãos e até não cristãos.

As leituras da liturgia deste dia — Sabedoria 3,1-9; Apocalipse 21,1-5a.6b-7; e Lucas 7,11-17 — nos ajudam a compreender o fundamento dessa fé. No livro da Sabedoria, encontramos palavras de consolo: “As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e nenhum tormento as atingirá”. É uma afirmação que transcende o medo da morte e revela a certeza do amor de Deus que acolhe seus filhos.

No Apocalipse, São João nos conduz a uma visão grandiosa: “Vi um novo céu e uma nova terra”. Ele nos convida a contemplar a realidade definitiva, onde “Deus enxugará toda lágrima dos olhos”. Muitos interpretam essa passagem como a recepção da alma no céu. Porém, uma leitura mais profunda, teológica e espiritual, mostra que essa visão é também o anúncio da plena comunhão com Deus — não apenas individual, mas de toda a criação redimida. É a revelação da vitória do amor sobre a morte, da vida sobre o pecado.

E no Evangelho de Lucas, Jesus se compadece da viúva de Naim e devolve à vida seu filho único. Esse gesto manifesta o poder de Cristo sobre a morte e antecipa o que a fé cristã proclama: a ressurreição. “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” — diz o Senhor. É uma palavra que ecoa até hoje em cada coração ferido pela saudade.

Cada um vive sua fé e seu modo de compreender o mistério da morte. Mas, para nós cristãos, ela não é o fim. A morte foi vencida pela ressurreição de Cristo. No Credo professamos: “Creio na ressurreição da carne, na vida eterna”. Assim, acreditamos que todos os que morreram em Cristo ressuscitarão e participarão da comunhão dos santos, quando Deus será tudo em todos.

Independente da crença de cada pessoa, a morte, a existência da alma e o destino último do ser humano permanecem como mistérios. Diante deles, o que nos resta é a fé, a esperança e o amor. Que neste Dia de Finados, ao lembrarmos nossos entes queridos, possamos também renovar a certeza de que a vida não termina — ela se transforma, e em Deus encontra sua plenitude.

“As almas dos justos estão nas mãos de Deus.” (Sb 3,1)

Pedro Claudio, jornalista, diácono permanente