Diarreia Cerebral – Reflexão de um Diácono em Conflito
Por Pedro Cláudio – 09 de maio de 2025, às 19h47
Minha fé permanece viva. Sinto a
presença de Deus em cada instante da minha existência. A mão do Altíssimo
repousa sobre mim como promessa viva de que Ele caminha comigo, mesmo em meio
ao caos humano. Porém, é no entrelaçar da fé com a experiência comunitária que
sinto as feridas mais profundas. As relações humanas — marcadas por escolhas,
rupturas, julgamentos e estruturas — abalaram a vivência eclesial e a
fraternidade com o povo de Deus.
Do ponto de vista sociológico, percebo o quanto a instituição religiosa se move dentro das lógicas do poder, da norma e da autoridade. Mesmo em comunidades de fé, prevalecem, muitas vezes, os mecanismos de exclusão e silenciamento. Quando o indivíduo se desvia do padrão estabelecido ou questiona estruturas, corre o risco de ser afastado, não apenas das funções, mas também do afeto coletivo. Sinto isso na pele. A suspensão das minhas atividades como diácono não foi apenas jurídica; foi existencial. Sinto-me marginalizado por estruturas que deveriam acolher. Não coloco nos ombros de ninguém e carrego só essa cruz! Minha culpa, minha tão grande culpa.
Na dimensão filosófica, me
questiono: quem sou eu além da função? Sou diácono porque fui ordenado, mas
também sou porque existo como servo, como ponte, como aquele que anuncia o
Verbo mesmo em silêncio. A condição humana é marcada por tensões internas —
entre o ser e o dever-ser, entre o reconhecimento externo e a verdade interior.
A suspensão não anula meu ser. Continuo sendo. E ser, neste contexto, é um ato
de resistência existencial.
A teologia me lembra que a
graça é irrevogável. O dom recebido pela imposição das mãos não depende do
aplauso da comunidade ou da chancela do clero. É Deus quem chama, quem
sustenta, quem envia. Ainda que impedido por normas canônicas ou malquisto por
lideranças, meu coração continua em serviço. Minha teologia é encarnada: feita
de poeira, lágrima, silêncio e fé. Se Cristo foi rejeitado entre os seus, por
que seria diferente com os seus servos?
Na esfera religiosa, sigo
confiando na intercessão da Mãe Santíssima. Maria, que acompanhou o Filho até a
cruz, conhece bem a dor do silêncio e da exclusão. A ela, suplico: que
interceda por este filho em conflito, que rogue para que o Cristo renasça em
mim, apesar das minhas quedas, das minhas dúvidas, da minha incapacidade de
encontrar sentido no agora.
Nada será como antes, é verdade.
Mas Deus é eternamente novo. Minha fé, apesar de ferida, é maior que os
decretos. Ela é sublime, porque é dom; é de graça, porque é Graça. E mesmo que
o “novo normal” ainda esteja distante, eu o aguardo com esperança.
Sou diácono permanente. Para
sempre. Porque fui chamado. E Deus não se esquece dos seus. E eu... eu sou
d’Ele.