Comunismo e Cristianismo:
o que precisamos refletir
Por Pedro Claudio em 31 de agosto de 2025
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| Imagem ilustrativa Câmara de vereadores |
Religião, comunismo e o risco da simplificação
É cada
vez mais comum ouvir pregadores religiosos se posicionando contra o comunismo
em seus púlpitos. O problema, contudo, é que muitas dessas falas carecem de
clareza conceitual e catequese adequada, deixando a assembleia sem compreensão
real sobre o que está em jogo. Em geral, o comunismo é associado a slogans como
“ser contra Deus”, “defender o aborto”, “acabar com a família” ou “aprovar
uniões homoafetivas”. Essa abordagem, além de simplista, afasta a discussão
séria sobre as dimensões históricas, filosóficas e teológicas do tema.
Não seria
uma falta de responsabilidade, por exemplo, pedir a intercessão de Nossa
Senhora contra o comunismo — como já fez um bispo brasileiro — sem antes
explicar ao povo o que se entende por comunismo, suas origens, seus contextos e
diferentes interpretações ao longo da história? O ministério pastoral exige
zelo, discernimento e formação, não apenas a transmissão de opiniões pessoais.
Num Estado democrático e laico, usar o púlpito como palanque político é um
desserviço à fé e ao próprio cristianismo.
É
importante destacar que não se trata aqui de tomar posição “a favor” ou
“contra” o comunismo como doutrina econômica ou sistema político. Essa questão
é complexa e carregada de ambiguidades. O problema central está em como
discursos religiosos, muitas vezes sem base conceitual, são instrumentalizados
para atacar partidos ou figuras específicas da política nacional. O resultado é
mais animosidade e polarização, revelando também o frágil nível de educação
política da população.
Experiências alternativas
Em 2002,
numa viagem ao 2º Fórum Social Mundial em Porto Alegre, tive contato com uma
comunidade em Santa Catarina organizada em formato de cooperativa. As famílias
viviam em um condomínio comunitário, unidas em torno da produção agrícola e
pecuária. Havia um sistema de autogestão: todos trabalhavam para a cooperativa,
os filhos tinham seus estudos financiados pela comunidade e, em troca, assumiam
o compromisso de retornar como profissionais a serviço do coletivo. A própria
cooperativa chegou a eleger um vereador, cujo salário era revertido para a
comunidade.
Esse
modelo, ainda que não seja “comunismo” no sentido clássico, mostra formas
alternativas de organização que fogem ao padrão capitalista tradicional. Não
cabe aqui julgá-lo como ideal ou não, mas constatar que existem diferentes
experiências de solidariedade econômica, muitas vezes inspiradas por valores de
partilha e corresponsabilidade.
Raízes bíblicas da partilha
Vale
lembrar que a própria Sagrada Escritura apresenta passagens que inspiraram
ideais comunitários e de justiça social:
- “Todos os que abraçavam a fé
viviam unidos e tinham tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus
bens, e repartiam com todos, segundo a necessidade de cada um.” (At
2,44-45)
- “Ninguém pode servir a dois
senhores; não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt 6,24)
- “Ai de vós, ricos, porque já
recebestes a vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque
passareis fome.” (Lc 6,24-25)
Essas
passagens revelam que a crítica à acumulação de riquezas e a defesa da partilha
são parte integrante da mensagem de Jesus. Não seria exagero falar em um
“comunismo cristão”, entendido como a vivência comunitária baseada na
fraternidade e no amor ao próximo.
O perigo
está em transformar a palavra “comunismo” em mero rótulo negativo para atacar
adversários políticos. Quando isso ocorre, o púlpito deixa de ser espaço
sagrado e se converte em palanque.
O magistério da Igreja e o contexto histórico
O
magistério católico já se pronunciou sobre questões sociais em diversos
momentos. A encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII, criticou
tanto os abusos do capitalismo industrial quanto as propostas socialistas
radicais de seu tempo, defendendo o direito à propriedade privada, mas também a
dignidade dos trabalhadores. Já no século XX, encíclicas como Quadragesimo
Anno (1931), de Pio XI, e Centesimus Annus (1991), de João Paulo II,
reafirmaram a importância da Doutrina Social da Igreja como caminho de
equilíbrio, evitando tanto o individualismo liberal quanto o coletivismo
marxista.
Esses
documentos mostram que a posição da Igreja não pode ser reduzida a uma
dicotomia simplista entre “comunismo” e “capitalismo”. Cada época trouxe
desafios próprios, exigindo discernimento diante de contextos políticos
específicos.
Discernimento e verdade
A palavra
“comunismo” assume múltiplos sentidos: o ideal filosófico de Platão em A
República, o modelo teórico de Marx e Engels, e as experiências políticas
de países como Cuba, China, Rússia ou Venezuela — cada uma com suas
contradições. Reduzir tudo a uma só definição, ou usá-la como arma retórica
contra inimigos políticos, é empobrecer o debate e trair a busca pela verdade.
O
Evangelho nos convida ao discernimento e à reflexão responsável:
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (Jo 8,32)
Assim,
antes de condenar, é necessário compreender. A fé não pode ser alimentada por
slogans ou discursos de medo, mas pela verdade que liberta e conduz ao amor.
