Conheça-te a ti mesmo
Por Pedro Claudio Rosa
Nos anos 90, encontrei Micheline Lacasse.
Psicóloga canadense, viajante de almas,
trouxe na bagagem um livro que soava mais como um oráculo:
“Conheça-te a ti mesmo”.
Passamos um fim de semana juntos,
entre conversas e silêncios,
e aquela frase ficou em mim como pedra de rio,
rolando por anos no fundo da consciência.
Na juventude, eu jurava que me conhecia.
Sabia o que queria, o que temia,
o que me fazia sorrir ou sangrar.
Mas não sabia nada.
A vida — professora severa —
me levou para salas de aula que eu nunca quis frequentar.
E foi assim que entendi:
há decisões em que não nos reconhecemos,
sobretudo quando somos colocados à prova.
Veio a sequência macabra.
A perda de Severiana, minha sogra,
companheira de rotina e cuidados,
baque seco.
Depois, minha mãe, esteio da família,
conselheira, raiz que nos mantinha reunidos.
E então, o abismo: Marlene.
Vinte e nove anos juntos — desde 19 de maio de 1990.
Trabalhadora, amada pelos filhos, pela comunidade,
única com diploma universitário em nossa família.
E, ainda assim, em 20 de janeiro de 2020,
decidiu partir pelo caminho sem volta.
Quatro anos e ainda não sei deglutir esse fato.
Segurei-me nos filhos, Tauã e Yure.
Mais tarde, Deus me enviou Eva Maria, também viúva,
para que um fosse o esteio do outro.
Hoje, caminhamos juntos, amparando nossas ruínas.
Mas não foi só o seio familiar que sofreu rachaduras.
Perdi amigos que eram faróis:
Roberto Lopes, parceiro de profissão.
Noildo Miguel, homem sábio e lutador.
Diácono Manoel Messias, chefe e amigo,
mesmo nas discordâncias,
meu confidente.
E Ovídio Joaquim dos Santos,
companheiro de missão na Igreja com quem lembro com saudade de seus ensinamentos.
Ovídio, além de conhecimentos técnicos da academia, tinha sabedoria de vida.
Como conviver com isso?
Não sei.
A gente fica aéreo, fora dos trilhos,
tomando caminhos que não seriam os desejados.
Peço a Deus que não me traga mais despedidas,
até que eu mesmo seja chamado
à eternidade —
esse campo fértil de incógnitas e fé.
E volto à pergunta de Micheline:
Conhece-te a ti mesmo?
Sou ministro ordenado da Igreja Católica.
Desde a infância, servi nos altares,
mas agora estou distante da missão,
em um relacionamento que a lei da Igreja proíbe.
Não me reconheço, mas também não me nego.
Talvez seja hora de reinventar a missão,
ou talvez seja hora de apenas caminhar.
Hoje sei:
não nos conhecemos.
Não conhecemos nossos caminhos.
Não somos donos do destino,
por mais que nos agarremos a essa ilusão.
Fatos nos empurram para atos.
Atos abrem trilhas.
E trilhas nos levam a paisagens
que nunca sonhamos.
Uma coisa é certa:
enquanto eu respirar,
quero sentir a alegria possível.
Que Deus me guie —
mesmo por estradas incertas —
para um mundo melhor.
Eu espero.
