Memória Afetiva – um valor inestimável
Em nossa casa, em Iporá – Goiás, guardamos objetos que não são apenas utensílios, mas testemunhos vivos de uma história que atravessa o tempo. Aqui, tradições não moram no passado: respiram, cozinham, alimentam e permanecem. Eva Maria da Silveira, apaixonada pelas raízes da família e pela cozinha como espaço de afeto, mantém viva essa herança. Seu fazer culinário é mais que preparo — é ritual, memória ancestral em chama baixa, onde cada receita tem origem em alguém que amou antes de nós.
Entre tantas peças que atravessaram décadas,
uma ganha voz própria:
a antiga panela de ferro de três pés, companheira fiel de fogões à lenha e
manhãs cheirando a café quente. O fundo da peça revela um selo circular já
quase apagado pelo tempo, talvez marcado 5 ou 50, com inscrições em arco
desgastadas pela vida de uso constante. O ferro fundido bruto, ainda com sinais
de oxidação, confirma sua idade e seu valor: não apenas um utensílio, mas um
artefato de história.
Seu formato, redondo e apoiado em três pés, denuncia origem tradicional — modelo típico do interior de Minas Gerais, muito utilizado até meados dos anos 1940–1960. Naquele tempo, famílias encomendavam panelas diretamente de ferreiros e pequenas fundições regionais. Muitas traziam apenas um número indicando tamanho, sem marcas de grandes fabricantes. O detalhe no centro reforça essa possibilidade: peça de fundição artesanal mineira, nascida do fogo e da habilidade de mãos antigas.
Mas seu maior tesouro não está no metal. Está
na linhagem que carrega.
Luzia herdou a panela de seus antepassados, e
tudo indica que a peça é muito mais antiga que ela — possivelmente anterior a
1950, talvez com mais de um século de existência. Foi passando de mãos em mãos,
de fogão em fogão, alimentando corpos, memórias e saudades.
Hoje, ainda em uso diário, ela pertence a Pedro Claudio Rosa e Eva Maria da Silveira.
Não descansa em exposição: segue fervendo, cozinhando, perfumando a casa com o
gosto da infância e com carinho de quem veio antes.
Porque memória é isso: não um objeto parado no
tempo, mas um pedaço do passado que continua vivo — quente, útil, afetivo.
Uma panela que cozinha histórias.
E cada refeição é um reencontro.
Ah, cometi ainda o sacrilégio de lavá-la por dias, retirando cuidadosamente o carvão que o tempo havia ali firmado. Quis descobrir sua origem, revelar o que havia por trás daquela superfície escurecida, mas logo percebi: não foi a melhor escolha. Cada camada de carvão impregnada no fundo guardava não apenas marcas, mas eras inteiras de história. Era memória sedimentada, testemunho silencioso de tantas mãos, tantas receitas, tantos momentos. Removi, sem querer, um pouco do passado que ela carregava.




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